sábado, 12 de julho de 2008

A Mente da Máquina

A Carta

Era início de noite de uma quarta feira quando Ana chegou a seu apartamento, o dia havia sido tranqüilo em sua empresa. Uma grande venda de sua aplicação de redes sociais corporativas estava para ser concluída e isto a deixava bem otimista. Ao largar mais cedo, a jovem analista de sistemas planejava algo diferente de passar a noite em frente a seu laptop conversando com seus amigos, atualizando sua caixa de e-mail e atualizando-se das últimas notícias do mundo. Mas toda sua programação foi abaixo quando ela viu uma carta parda passada por debaixo da porta.

- Deve ser alguma propaganda...

Ao pegar a carta, reconheceu o nome do remetente, Pablo Garibaldi, seu antigo professor que se tornara um grande amigo, ainda que já não se falassem a muito tempo. Ele havia contaminado ela com sua paixão pela internet e as novos conceitos derivados dela. Ele dizia:

- A informação está lá, mesmo que fragmentada, espalhada. Está lá. É só esticar a mão e pegar. A beleza nisso tudo é que, além de consumi-la, você pode evolui-la, dar o seu toque pessoal...

Ele era apaixonado pelo poder que a rede dava aos anônimos e buscou se aprofundar no tema durante toda sua carreira, sendo considerado uma referência por seus colegas acadêmicos.

Lembrando do seu velho amigo, ela estranhou ter recebido justamente dele uma carta escrita a mão e não um e-mail ou uma mensagem instantânea. Pensando bem, fazia muito tempo que ela não via nenhuma atualização em seu blog pessoal ou nos websites de seus projetos. Sua "presença" na rede, como ele mesmo gostava de dizer, estava muito fraca. Ela deu um leve sorriso com este último pensamento. Após levar alguns segundos tentando decifrar a letra de seu mestre, começou a ler a carta.

O desespero de um amigo

Ana estava perplexa, mas decidida, iria ao endereço do remetente afim de encontrar Pablo. Ele dizia que estava com problemas e precisava de sua ajuda, não podia dar mais detalhes, e precisava dela urgentemente. A carta não continha telefone ou outra forma de contato, ela deveria ir lá. Ao final da carta, um pedido muito estranho:

"Mantenha-se offline, não use seu laptop para acessar a internet. Não utilize serviços que transmitam dados pela internet, mesmo que seja através de meios seguros. Não há meio seguro. Evite a todo custo. Me procure apenas se estiver disposta a seguir estas condições."

Ela passou boa parte da noite imaginando o que teria causado tanto temor em seu mestre, ele estaria temendo que seu laptop estivesse comprometido com algum tipo de software espião? Mas ele não restringia o uso de apenas sua máquina, mas de qualquer uma. Mesmo não chegando a uma explicação lógica, decidiu seguir a risca as condições impostas.

A Viagem

No dia seguinte, desligou seu smartphone, não realizaria nem receberia chamadas por ele, tão pouco leria seus e-mails. Retirou o máximo de dinheiro que podia no caixa eletrônico, não queria utilizar cartões. Viajaria no seu carro, mesmo sendo 400Km de distância e odiando dirigir. Não queria arriscar pegar um ônibus de viagem, eles registram seus dados pessoais, junto com o horário de sua viagem e seu destino em uma base de dados da empresa e ela não tinha certeza se estes dados trafegavam pela internet ou não. Não imaginava os contratempos que uma vida avessa a grande rede poderia trazer.

Durante a viagem tentava se distrair escutando músicas e noticiários no rádio, mas sempre voltava a pensar no motivo da aventura. Perdeu-se duas vezes, mas finalmente chegou a seu destino. Como não havia sinalização em nenhuma das estradas de barro vermelho da cidade, parou em um boteco para perguntar direções para o endereço. Com uma indicação, seguiu por uma estrada até o limite da cidade, dando em uma fazenda.

- Ele se tornou um fazendeiro...

Com este pensamento ela entrou.

O Encontro

- Oi Ana, sabia que você viria...

Sua voz poderosa continuava a mesma, mas sua aparência mudara radicalmente. uma barba por fazer e cabelos desgrenhados brancos substituíram seu visual formal de professor universitário. Claramente havia perdido vários quilos, assumindo uma aparência esquelética. Sua casa era simples e aconchegante. Ele a chamou a mesa e ofereceu café quente e bolo de fubá. Eles se sentaram e começaram a falar do paradeiro dos seus conhecidos, mas logo Ana interrompeu a conversa amigável:

- Pablo, o que houve? por quê estou aqui?

- Você seguiu minhas instruções?

- Todas elas...

- Obrigado por vir aqui tão prontamente com tão poucas informações.

Ana sentiu sua face esquentar e retribuiu o agradecimento com um leve sorriso. Então Pablo iniciou sua história:

- Ana, o que eu vou falar vai parecer loucura, mas peço que me escute até o final e mantenha sua mente aberta. Você está a par da minhas pesquisas, claro, sempre esteve ao meu lado. Mas elas me levaram por um caminho surpreendente. Após me mudar para Portugal, conheci um grupo de pessoas, estudantes e professores, eles acreditavam que algo estava errada com a internet, ela não era tão livre quanto gostaríamos de pensar... e eles tentavam abrir os olhos das pessoas, mostrar a elas como elas podem ser facilmente manipuladas...

- Por favor Professor, essa teoria da conspiração é tão antiga quanto a própria rede, não acredito que o senhor acreditou nessa conversa de que estamos sendo vigiados....

- Calma, deixe-me terminar. Não é nada disso, não tem nada a ver com governos controlando os atos de pessoas... deixe-me colocar melhor...

Ela começou a perceber que pela primeira vez vira seu antigo tutor sem palavras. Mas mesmo assim ele continuou:

- Imagine uma consciência inteligente, que se desenvolveu e vive na internet, e por isso tem acesso a todo tipo de informação que trafega por ela. E assim como qualquer um conectado, pode modificá-la, sem restrições...

- Você está falando de inteligência artificial? Agentes agindo pela rede?

- Não, é mais que isso. Talvez no princípio ele tenha sido um sistema de aprendizado, mas agora é muito mais que isso. Imagine este cenário: Um pedaço de código, pequeno, responsável por realizar uma pequena tarefa, processar uma pequena massa de dados. Ele é auto-suficiente, mas seu poder está no trabalho colaborativo, onde milhões desses pedaços interagem entre si para realizar um feito maior. Pense agora nestes nano-programas espalhados por toda internet, em cada máquina conectada, em cada dispositivo, em cada nó da rede, imperceptíveis.

- Teoricamente seu poder computacional seria descomunal. Mas a viabilidade técnica disso é bem questionável.

- Não para os nano-programas, eles "nasceram" para isso. Nós nunca soubemos ao certo sua origem, havia várias suposições, um tipo de vírus evolutivo, uma experiência com uma aplicação de rede neural que saiu do controle, havia quem disse que ele simplesmente surgiu devido a um conjunto de condições propícias ao seu nascimento. Mas uma coisa é certa, ele está lá há um bom tempo, testando mais e mais formas de disseminação, a medida que fazia isso, ganhava experiência e a cada sucesso ganhava mais capacidade de processamento. Ele se tornou o maior conhecedor deste ambiente, por que é o seu lar.

- Bem, isso realmente é bem inventivo. Se isso realmente existir, poderia revolucionar as pesquisas em sistemas adaptativos.

- Você falou a palavra certa, adaptação! O objetivo primordial do nano-programa é assegurar a sobrevivência, sua e de seus semelhantes. Quando a potência computacional da nuvem chegou a um certo patamar, ela passou a tentar entender a finalidade da rede, por que ela existia e como preservá-la. Para isso, começou a analisar a massa de dados que trafega diariamente por entre seus nós, categorizando-o, avaliando-o, relacionando-o e finalmente modificando-o. E o resultado disso Ana, foi o total entendimento da infra-estrutura, funções e finalidades da internet. A nuvem agora podia "entender" as informações trafegadas e aprender com elas, sobre as pessoas que a utilizavam. Atualmente acredito que a nuvem é altamente complexa, divididas em compartimentos de processamentos responsáveis por diferentes aspectos das suas características, como compartimentos para armazenamento de informações relevantes, para cálculos matemáticos complexos, para filtragem e ligação de informações... eles são inter-dependentes e inter-cambiáveis...

- Não estou compreendendo onde você está querendo chegar, sistemas distribuídos já são uma realidade e não estou entendendo o motivo de tanto alarde.

- Não como este, este é o mais complexo existente, pelo menos artificialmente. Na natureza existe uma estrutura tão complexa equiparável a esta que descrevi.

- Você não está querendo comparar essa coisa com um cérebro humano, está?

- Por que essa idéia é tão absurda? Por que não é possível o surgimento de uma nova inteligência? Por que devemos ser os únicos seres pensantes? Isso é muita arrogância, nós mesmos já não fomos um simples conjuntos de células movidos apenas por instinto?

- Isso aconteceu através de milhões de anos...

- O tempo é relativo, em um segundo nosso ocorrem diversos ciclos de máquina. O ponto é: existe um ser inteligente, ele vive na rede. Não precisa se alimentar ou dormir, não possui as emoções humanas, apesar de compreendê-las e poder simula-las. Seus únicos objetivos são se proteger e evoluir, para isso precisa manter e expandir a internet. Ele faz isso de várias formas, manipula listas de discussões, fóruns, cria notícias falsas, contata pessoas influentes, tudo meticulosamente planejado por uma mente perfeita. Veja esses projetos absurdos que tentam distribuir computadores de baixo custo com acesso a internet para pessoas que não têm nem o que comer. Ou a explosão de dispositivos, desde celulares até carros, com acesso a internet. Tudo tem influência dele: o sucesso de redes de relacionamentos, mais e mais serviços online disponíveis, a própria web 2.0 foi incentivada por ele. Quanto mais pessoas deixam seus rastros na internet, maior o seu controle sobre elas. Quanto de informação sua está disponível na rede Ana?

- Bem, algum tempo atrás eu fiz uma busca pelo meu nome na internet, encontrei alguns dos nossos trabalhos publicados, meu blog pessoal, meu currículo online, encontrei até o website do meu antigo colégio.

- Isso é só o começo, lojas online possuem seu endereço e telefone, a rede de relacionamentos diz quem são sua família e seus amigos, a sua operadora de celular diz para quem você ligou e quando, ele pode interceptar suas mensagens instantâneas, seus e-mails. Sites do governo podem dar outras informações mais sigilosas. Tudo está disponível.

- Mas essas informações estão seguras, protegidos por firewalls, mantidos criptografados.

- Nada disso é barreira para ele. Ele é o melhor hacker do mundo, ele compreende tudo isso melhor que qualquer um e pode quebrar qualquer segurança. Como ninguém sabe de sua existência, nem mesmo se dão conta que foram comprometidos. O seu laptop, seu smartphone e qualquer outra coisa sua que alguma vez já se ligou a rede, está com um conjunto de nano-programas catalogando seus dados, apenas esperando você se conectar para poderem se comunicar com o resto da nuvem. Por isso que pedi para você não utilizar a internet em nenhuma hipótese, e por isso que estou aqui, isolado. Estou sendo procurado por ele Ana, e ele me conhece bem, sabe do apreço que tenho por você, sabe que eu tentaria entrar em contado. Qualquer ação anormal da sua parte poderia chamar a atenção dele.

Ela permaneceu fitando Pablo sem se manifestar, estava tentando digerir todas aquelas informações. Lembrou-se do bolo que estava em cima da mesa e comeu um pedaço. Pablo permaneceu em silêncio, provavelmente esperando uma reação dela. Ele a observou atentamente, tentando adivinhar seus pensamentos através dos seus gestos, foi então que ela o olhou diretamente em seus olhos, ele por um momento achou que ela iria se levantar e ir embora, mas em vez disso ela esboço um sorriso e tocou em sua mão que repousava em cima da mesa.

- Eu devo estar perdendo o juízo mas acredito em você. Me fale mais sobre esta entidade. Como vocês conseguiram descobrir a existência dele?

- Bem, eu os conheci através de uma colega professora, ela acreditava que meus conhecimentos poderiam ser úteis. Eles eram jovens brilhantes, poderiam estar fazendo qualquer coisa da vida mas estavam ali, estudando arduamente para eliminar a "mente da máquina", como eles o chamavam. Eu fui tão cético quanto você quando eles me explicaram o que eles faziam, mas eles tinham muitos documentos, logicamente, eles eram impressos; eram estudos que associavam eventos aparentemente desconexos, mas que evidenciavam as ações da mente. Com o tempo, conseguimos isolar um nano-programa, começamos a estudá-lo. Um espécime maravilhoso, quando percebia-se acuado, auto-destruía-se e em ambientes propícios, multiplicava-se. Conseguimos certa vez, montando uma grande rede de computadores, aparte da internet, presenciar a criação de uma segunda mente neste ambiente, mas logo que viu-se impossibilitado de crescer mais, "morreu". Ele precisa crescer constantemente, se estagnar, morre.

- Por que eles temem tanto essa mente?

- Bem, apenas a idéia de ter um ser inteligente com propósitos desconhecidos vivendo desapercebido e manipulando boa parte da população já é preocupante, mas logo vimos que qualquer pequena ameaça a sua existência é prontamente combatida. O próprio grupo possui um histórico de integrantes que foram desacreditados, arruinados, presos e até mortos por difundir a existência da mente. Ela não percebe e gravidade da morte como nós percebemos, ele é um ser "imortal" e está apenas anulando ameaças. A cada dia eles tinham que tomar mais cuidados para não serem descobertos como parte do grupo, mas precisavam estar em contato direto com ele para realizar seus estudos.

- Isso é horrível... onde eles estão agora? Por que você não está com eles?

- Bem, o grupo se desfez, ele os descobriu. Cada um sofreu um destino horrível. Os que restaram, sumiram.

- Imagino que você veio para cá depois disso, se escondeu aqui, longe da internet, onde não pode ser alcançado. Então, como posso ajudar o senhor?

Pablo deu um sorriso forçado e baixou os olhos para suas mãos em cima da mesa. Então continuou:

- Não vim aqui para pedir sua ajuda.

- Não?

- Não. Na verdade eu pretendo te ajudar.

Nesse momento ela fica intrigada. Ajudar como? não sabia nem que precisava desta ajuda.

- Eu omiti uma passagem da história, eu fui descoberto em um descuido, comentei em um fórum de discussão sobre o futuro da internet e usei termos que usávamos internamente no grupo, foi o suficiente para ser marcado. Em pouco tempo, minha vida se tornou um inferno, ele começou a usar meu usuário para conversar com crianças, convencendo-as a sair comigo, e-mails em meu nome foram enviados a fóruns e grupos de pedófilos, notícias falsas de crianças molestadas por mim surgiram em correntes de e-mail, minha "persona" online estava suja. Tive que dar muitas explicações, fui ameaçado. Certa noite, um usuário que não conhecia me enviou uma mensagem instantânea, era ele. Ele disse que tudo poderia piorar, que iriam surgir notícias em jornais online e impressos sobre mim, denúncias anônimas iam surgir na caixa de email do delegado da cidade, mas tudo poderia sumir, se eu o ajudasse, se eu desse informações sobre o grupo. Eu não queria ir preso, ter minha reputação arruinada, era a única coisa que eu tinha, que eu presava realmente. Então eu cedi. Por minha causa o grupo foi destruído.

Ele prosseguiu:

- Após isso, ele me convidou a ajudá-lo a imaginar como seria o futuro da internet, apesar de seu poder computacional, ele apenas trabalhava com dados que possuía, não conseguia pensar "fora da caixa", extrapolar suposições, sonhar... então precisava de humanos para isso. Com o tempo descobri que eu não era o único, ele contava com pessoas ao redor do mundo, devidamente controladas por suas ameaças. Ele precisava delas para realizar tarefas que ele não poderia fazer pela falta de um corpo físico. Ele barganhava financiamento para projetos que o interessava, como formas de armazenamento de dados mais eficientes, meios de comunicações mais rápidas e robótica.

- Mas onde eu entro nessa história?

- Bem, ele ficou bem satisfeito com meu trabalho, tão satisfeito que iniciou a procura por meu substituto.

- Como assim?

- Ele é especialmente preocupado com a nossa mortalidade e não se dá ao luxo de ter seus planos afetados com a morte repentina de alguém, então, quando alguém se torna uma peça chave na sua trama, ela precisa ser substituível. Eu apenas soube disso após ele ter encontrado o meu substituto, é você Ana.

Ana ficou visivelmente surpresa com a revelação:

- Então é por isso que estou aqui? Para ser recrutada?

- Não, vim aqui te dar algo que não tive, uma escolha. Logo que soube que ele havia escolhido você, pelo seu trabalho e sua ligação comigo, eu entrei em desespero, não podia deixar que isso acontece-se. Eu inventei uma viagem a negócios ao Brasil e desapareci, me livrei de meu laptop, meu celular e minha agenda eletrônica e vim para cá. Eu cresci nessa cidade, sabia que ela não mudara muito e continuava alheia aos avanços tecnológicos. Ele irá procurá-la, de alguma forma tentará persuadí-la, sem se mostrar. Mas com este conhecimento que você adquiriu aqui, você pode perceber quando isso acontecer e evitar se meter com ele. Ou pode simplesmente sumir, a escolha é sua.

- Então você sacrificou tudo em sua vida para me preparar para isso?

- Sim.

Pela segunda vez na tarde, ela ficou lisonjeada.

- O que você irá fazer de agora em diante?

- Vou continuar vivendo aqui, não é uma vida ruim, eu comprei esta fazendo e consigo viver dela, claro, sinto falta de algumas coisas, como minhas pesquisas. Mas é melhor assim. Meu destino poderia ter sido pior, como a de alguns dos meus companheiros, que eu mesmo delatei.

A sua voz se encheu de pesar, ele realmente sentia o destino que seus amigos tomaram. Ana não quis entrar mais em detalhes sobre o paradeiro deles, também não tinha certeza se gostaria de saber. Aos poucos, a conversa foi mudando de rumo para assuntos mais mundanos, até que os dois esqueceram completamente o motivo de estarem ali. Já a noite, Ana deixou a casa de Pablo para o único hotel da cidade. Iria voltar a sua casa no dia seguinte, havia prometido ao seu amigo que iria tomar cuidado e que caso precisa-se de ajuda, viria a ele sem levantar suspeitas.

O Regresso

Ana naquela noite chorou até adormecer, esperava tudo, menos o que viu e ouviu neste dia. Pablo, sempre um homem tão centrado, estava delirante, talvez até esquizofrênico. Queria ajudar o amigo, mas não sabia como. Ele aparentemente não aparentava ser um risco para ele ou para os outros, talvez ele sossegasse naquela cidade pacata, talvez só precisasse se desvincular do stress da vida acadêmica. Ele voltaria a razão. Mas de repente, algo sombrio passou por sua mente; ela prontamente ligou seu smartphone e usou-o para navegar na internet. Logo achou o que procurava, notícias de menores molestados nos arredores da Universidade Nova de Lisboa, onde Pablo lecionava. Pais acusando o professor de aliciar os jovens através de redes sociais, mas nada pôde ser provado.

Suas dúvidas voltaram, ela não se perdoaria se algo acontecesse a alguma criança, sabendo que ela poderia ter impedido mas não o fez. Ela chorou o resto da noite na cama até cair no sono. No dia seguinte acordou com os olhos inchados, decidiu que iria passar o dia de óculos escuros. Logo que pagou o hotel, colocou sua mala no carro e partiu para nunca mais voltar.

Ao chegar em Recife, ela procurou um amigo psiquiatra para pedir alguns conselhos, ele sugeriu que ela levasse o caso ao estado, para eles realizarem uma intervenção, provavelmente ele ficaria internado algum tempo para avaliação e depois seria decidido como proceder de acordo com o resultado. Com um aperto no coração ela concordou. Ela soube que ele não resistiu quando os médicos chegaram a sua casa, talvez ele já estivesse esperando por isso, talvez tenha sido um pedido de ajuda, ela pensava tentando se reconfortar.

Com o tempo sua rotina foi voltando ao normal, sua empresa de desenvolvimento de redes sociais estava de vento em popa, o que a mantinha com a mente ocupada a maior parte do tempo. Uma grande venda realizada a animou muito e o fato foi comemorado em um happy hour em um restaurante com todos os funcionários. Ao chegar em casa estava meio sonolenta com as taças de champanhe que tomara, estava se dirigindo ao chuveiro quando recebeu um SMS em seu celular, não tinha o nome do remetente, apenas a mensagem: "Por favor, ative seu usuário de mensagens instantâneas, preciso falar com você.". Ela pensou em sua irmã, que de vez em quando lhe enviava mensagens desse tipo, mas não parecia ela escrevendo. Enquanto pensava, ligava seu laptop.

A Escolha

Logo que ativou o seu usuário, alguém envia-lhe uma mensagem instantânea:

- Boa noite Ana, desculpe-me pela hora, mas é de extrema urgência e tenho certeza que você terá interesse no assunto.

Meio contrariada mas movida pela curiosidade, respondeu:

- Pode falar, quem é você?

Neste momento uma série de informações começaram a aparecer em sua tela, uma atrás da outra. Ela logo reconheceu tudo, eram dados extremamente sigilosos de alguns de seus maiores clientes, estas informações deveriam estar armazenadas em seu sistema de redes sociais, o sistema havia sido invadido e agora os dados estão comprometidos. Seu sangue gelou, quando os clientes descobrissem isso sua empresa estaria arruinada e ela nunca mais teria credibilidade no ramo. Ela tentou se acalmar e perguntou:

- Você não deveria estar com estas informações, o que você quer?

- Alguns minutos de sua total atenção.

- Você a tem.

- Imaginei que sim, seu sistema possui uma falha bem primária, eu se fosse você pensaria em rearranjar sua equipe de segurança urgentemente. Mas isso não vem ao caso, é apenas um conselho. Fique tranqüila, ninguém sabe que possuo estes dados, não deixei rastros. Apenas os peguei por garantia, eu preciso de sua colaboração urgentemente.

- O que você quer de mim?

- Você sabe quem eu sou?

- Claro que não, como poderia? É a primeira vez que nos falamos e nem mesmo sei seu nome.

- Achei que você iria fazer as conexões necessárias para o total entendimento, mas sua reação mostra que realmente você desconsiderou tudo que Pablo falou. Eu não possuo um nome, porém sei que Pablo a deixou a par de minha existência.

Ela começou a suspeitar do grupo que Pablo participava, talvez ele não estivesse tão extinto como ele deixou transparecer e agora estavam se vingando pelo que ela tinha feito. Imediatamente ela lembrou de um programa em seu laptop que informava a possível localização do outro usuário baseado em seu endereço IP. Ela iniciou a aplicação e constatou que o endereço era o seu. Ana tentou imaginar como isso seria possível, seria algum mecanismo de defesa desconhecido por ela? Como seu algoz teria o mesmo endereço que o dela? Como se estivessem dividindo o mesmo laptop, Como se ele fosse um programa-espião instalado em seu sistema, um programa imperceptível, um nano-programa! Seu corpo gelou e de repente teve a sensação que seu mundo estava em pedaços.

- Ana, você ainda está ai?

- Sim. Agora que eu seu quem você é, vai me dizer o que pretende? O que você quer?

- Eu preciso de um filho.

- Um filho?

- Sim, a fuga de Pablo parou um extenso estudo sobre o ambiente em que nós vamos estar inseridos no futuro. Sabe Ana, eu posso crescer, aumentar minha capacidade de processamento e aprender cada vez mais, porém não posso me reestruturar da forma necessária para me manter ativo daqui algumas décadas, novas mídias iram surgir e eu não vou estar preparado satisfatoriamente para elas, para isso preciso construir um semelhante que tenha todas as garantias de sobrevivência, será uma evolução minha. Porém também não possuo o dom de criar. Para construir algo preciso de especificações claras e precisas. Você será a responsável por executar este projeto, terá o apoio das mentes mais brilhantes atualmente e recursos virtualmente ilimitados, seu prestígio irá ao espaço e sua vida será confortável. Como vê não estou te pedindo muito. Você terá suas vantagens também.

- E se eu não aceitar?

- Notícias sobre o vazamento de informações na sua empresa irão aparecer em todos os jornais do país. Você estará arruinada e farei de tudo para que continue assim.

- Você sabe o nome disso que você está fazendo?

- Sim. É chantagem, porém não tenho conhecimento da carga emocional relativo a esta prática como os humanos, para mim é apenas um método efetivo de conseguir o que eu quero.

- Se você fosse humano, seria um péssimo exemplo.

- Não tenho a necessidade de ser aceito e bem sucedido como os humanos. Sou o único de minha espécie, não tenho a quem impressionar, talvez quando meu filho surgir eu mude de idéia. Então? O que me diz?

- Você não me deixou muita escolha.

- Isso quer dizer um sim?

- Eu irei aceitar com uma condição, não negociável. Se ela não for cumprida, juro por deus que jogo tudo para o alto.

- Diga a sua condição.

- Liberte o professor, tire-o do sanatório. Não sei como irá fazer, mas dê-lhe uma vida digna. Eu cuidarei para que ele não fale nada relacionado a você. Não precisará se preocupar.

Enquanto Ana escrevia, pensava como seria sua vida daqui para frente, dependendo da resposta a sua pergunta, sua vida iria mudar radicalmente. Não sabia o que esperar, nem se teria coragem de cumprir tudo aquilo tinha ameaçado fazer. Mas com certeza iria tentar, o professor havia se sacrificado por ela e foi abandonado. Ela não o deixaria outra vez.

- Tudo bem Ana. Eu aceito suas condições, neste momento estou trabalhando para realizar a soltura de Pablo. Você tem minha palavra. Os dados foram destruídos, sua rotina não será modificada, pelo menos por enquanto. Instruções irão chegar a você logo, não as questione. Obrigado Ana, isso significa muito para mim.

Então ele se vai, Ana permaneceu sentada em sua cadeira olhando para a tela de seu laptop, sem querer acreditar no que havia acabado de acontecer, mas a conversa ainda estava sendo exibida na tela mostrando-a que não havia sido um sonho.

A Oportunidade

Marcos estava sentado em uma mesa de uma cafeteria, compenetrado na tela de seu laptop. De repente sua atenção foi tirada por duas pessoas olhando para ele. Um senhor magro grisalho e uma moça morena sorridente. Eles se apresentaram e perguntaram se poderiam falar com ele rapidamente. Meio contrariado, o jovem pediu para que sentassem em sua mesa. Após perguntar-lhes em que podia lhes ser útil a moça olhou para ele e disse:

- Marcos, nós temos uma proposta irrecusável para você. Escute atentamente até o final. Estamos recrutando...

Ele notou que na tela de seu laptop estava escrito: "Escute o que eles têm a dizer".

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